Scenes from the Passion of Christ

Scenes from the Passion of Christ
Scenes from the Passion of Christ // Hans Memling ca. 1430 – 1494

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O que fazer no último dia do ano...


“No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba.”
João 7.37

A paciência tinha a sua obra perfeita no Senhor Jesus, e até o último dia de festa ele apelou aos judeus; e neste último dia do ano Ele apela a nós e espera para ser gracioso conosco. Admirável, de fato, é a paciência do Salvador em lidar com alguns de nós, ano após ano, não obstante nossas provocações, rebeliões e resistência ao Seu Santo Espírito. Maravilha das maravilhas é ainda estarmos na terra da misericórdia.

A compaixão expressou-se muito claramente, pois Jesus chorou,  o que infere não apenas na sonoridade de Sua voz, mas a brandura de Seu timbre. Ele nos roga que sejamos reconciliados. “Rogamos”, diz o apóstolo, “como se Deus exortasse por nosso intermédio.” Que termos fervorosos e tocantes! Quão profundo deve ser o amor que faz o Senhor chorar pelos pecadores e, como a mãe, persuadir Seus filhos para que se aproximem de Seu peito! Certamente ao chamado de tal clamor nosso coração disposto virá.

A provisão é mais abundante; tudo é provido para que o homem possa extinguir a sede de sua alma. A expiação traz paz à sua consciência; o evangelho traz a instrução mais rica ao seu entendimento; a pessoa de Jesus é o objeto mais nobre de amor para o seu coração; a verdade, como é em Jesus, fornece ao homem, como um todo, o alimento mais puro. A sede é terrível, mas Jesus pode removê-la. Ainda que a alma esteja completamente faminta, Jesus pode restaurá-la.

A proclamação é aberta, todo aquele que tem sede é bem-vindo. Não há outra distinção a não ser a sede. Seja sede de avareza, ambição, prazer ou descanso, aquele que dela sofre é convidado. A sede pode ser ruim em si mesma, e não ser sinal de graça, mas antes uma marca de pecado excessivo que anseia por ser gratificado com correntes mais profundas de luxúria; mas não é a bondade na criatura que traz o convite. O Senhor Jesus o envia gratuitamente e sem consideração por alguém especificamente.

A personalidade é declarada mais plenamente. O pecador deve vir a Jesus, não para a obra ou ordenança ou doutrinas, mas para um Redentor pessoal que carrega em si mesmo nossos pecados, em Seu corpo no madeiro. O Salvador ensanguentado, moribundo e ressurreto é a única estrela de esperança para um pecador. Ah! Venha à graça, venha e beba, antes que o sol se ponha no último dia do ano!

Nunca será demais esperar ou se preparar. Beber representa uma recepção para a qual não há necessidade de aptidão. Um tolo, um ladrão, uma meretriz, todos conseguem beber; então, a pecaminosidade de caráter não é obstrução para o convite à fé em Jesus. Não é necessário um cálice de ouro para transportar a água ao sedento; a boca da pobreza é bem-vinda a inclinar-se e beber em grandes goles da fonte que flui. Lábios com pústulas, leprosos e imundos, podem tocar a corrente de amor divino; não há como poluírem, antes, serão eles mesmos purificados. Jesus é o manancial de esperança.

Caro leitor, ouça a voz do amado Redentor clamando a cada um de nós:

SE ALGUÉM TEM SEDE, VENHA A MIM E BEBA.


Charles Haddon Spurgeon



Fonte: Dia a dia com Spurgeon; Manhã e Noite - http://publicacoespaodiario.com/brasil/spurgeon

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Quero relembrar nesse natal...



e ela deu à luz o seu primogênito. Envolveu-o em panos e o colocou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.

Lucas 2.7


Algumas coisas que eu quero relembrar nesse natal:

1) A DISPONIBILIDADE DO MEU DEUS.
Meu Deus, Jesus Cristo é um Deus disponível. Ele se tornou carne e decidiu entrar de vez na nossa existência. Deus não estava distante do seu povo, como nunca esteve, Ele estava presente, bem ali naquela manjedoura.
Jesus não escolheu como local do seu nascimento o palácio de Cesar nem o templo dos judeus, Ele escolheu a manjedoura.
Ele quis demonstrar desde o seu primeiro dia que Ele não vinha resgatar os justos mas os pecadores, veio curar os doentes e não os sãos (Mt 9.13). Ao escolher a manjedoura Ele se faz disponível a todo tipo de homem.
Pastores dos campos não entrariam no templo pois o tipo de trabalho que realizavam o deixavam impuros. Devido suas longas jornadas de trabalho em campos distantes (estavam próximos à Belém), eles ficavam muitas vezes impossibilitados de qualquer cerimônia de purificação no templo.
Herodes estava no palácio com suas prioridades e perante o nascimento do Rei Jesus, ele ficou “perturbado”, mas isso não foi suficiente para o atrair à Jesus, mas sim para tentar matá-lo (Mt 2).
Os mestres da lei e os chefes dos sacerdotes do povo estavam examinando as Escrituras (Mt 2.4), aquelas mesmas Escrituras que Jesus disse: “testemunham a meu respeito” (Jo 5.39). Mas eles não encontraram com o Deus das Escrituras, continuaram onde estavam ao invés de seguir os magos e procurar pelo Messias.
Mas os pastores são alvos da graça de Deus. A notícia chega em primeira mão para eles por um anjo e com ele a glória do Senhor. Eles são alvos imerecedores dessa graça!
Eles se tornaram exemplos para nós, ouviram a palavra com fé e foram obedientes ao procurarem pelo menino recém nascido – A fé verdadeira é obediente.
Não é surpreendente que o nosso Salvador atrai para si os pastores antes de qualquer religioso ou autoridade de sua época?!
Não é surpreendente que o primeiro louvor cantado após o Seu nascimento foi de um coral de pastores?
Jesus está disponível a todos!
Ele nunca precisou de um segurança ao seu redor. Ele não optou por outro caminho quando teve que passar por Samaria. Nunca fez acepção de pessoas e repreendeu os seus discípulos quando esses agiam de maneira diferente.
“Deixem vir a mim...e não as impeçam” (Mt 19.14)
“Vinde a mim...” (Mt 11.28)
Esse é sempre o apelo do meu Salvador à todo tipo de homem e mulher, em todo tempo.
A manjedoura é um lugar disponível e de fácil acesso.
Quero lembrar essa verdade hoje. Quero me aproximar mais um dia dEle. Quero relacionamento com Ele como quis da primeira vez que O conheci.
Quero falar essa verdade a todo tipo de homem, religiosos, autoridades ou pastores. Todos precisam saber que Ele se faz disponível.
Seja você quem for, o seu Salvador está disponível.

2) A REJEIÇÃO AO MEU DEUS
“Não havia lugar para eles...”
Usando de alegoria com respeito a essa frase eu diria que a mesma coisa acontece hoje em dia. Não há lugar para o Salvador.
A luz brilhou nas trevas mas as trevas não a compreenderam. Veio para os que era seu, mas os seus não o receberam (Jo 1. 5,11)
Se é verdade que Ele está disponível a todos, é também verdade que há grande falta interesse por Ele.
Belém estava cheia, o recenseamento estava acontecendo por decreto de César Augusto, a hospitalidade tão ensinada por Deus no VT talvez já não era tão praticada naquela época e então Lucas narra: “Não havia lugar para eles...”
O Salvador foi muito rejeitado durante todo o seu ministério. Nem mesmo seus irmãos criam nEle (Jo 7.5). Ele foi traído pelo seu círculo de amizade mais próximo, seus discípulos.
A rejeição é tão real quanto a disposição do nosso Salvador em salvar.
Nesse natal quero me lembrar disso. Preciso saber que o meu coração pecador deseja muitas vezes o “prato de lentilha” e que as “moedas de prata” ainda me tentam.
Quero orar hoje e sempre pela graça de Deus para que Ele mesmo desperte o meu coração para Seu Filho.
Quero me arrepender por toda rejeição que ainda acontece em minha vida.

3) A DÁDIVA DO MEU DEUS
Ele nasceu em um lugar onde animais moravam e se alimentavam, mas ali havia mais que alimentos para animais, ali estava Aquele que alimenta a minha alma.
Ali estava Aquele que disse:
Quem beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede – Jo 4.14
Eu Sou o pão da vida: Aquele que vem a mim jamais terá fome, e aquele que crê em mim jamais terá sede. – Jo 6.35
Ali estava o verdadeiro pão vivo que desceu do céu.
Cristo alimentou todos os seus até hoje e continuará alimentado. O seu estoque de Vida nunca fica vazio.
Nele habita a plenitude divina e nEle temos todas as bençãos celestiais (Cl 2.9; Ef 1.3).
“A teu respeito diz o meu coração: “Busque a minha face!” A tua face, Senhor, buscarei” (Sl 27.8).
Não quero cometer o mesmo pecado de Judá: “a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram para si cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jeremias 2:13).
Que eu me lembre do gosto amargo de qualquer outra fonte que não seja o Senhor.
Que haja fome e sede no meu coração por Ele.
Que eu me satisfaça nEle.
Que nesse natal e novo ano eu o encontre na Sua palavra. Que minhas devocionais sejam cheias de Cristo. Que seja Ele o meu louvor e que minha orações sejam em seu nome.
Oh Jesus seja tudo em mim.
Amém.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A doença e a glória de Deus – Parte I





Ao passar, Jesus viu um cego de nascença.

Seus discípulos lhe perguntaram: "Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego? "
Disse Jesus: "Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele.
João 9.1-3

A doença é uma realidade. Ela alcança a todos, sem exceção. Mais cedo ou mais tarde, ela te alcançará de uma forma ou de outra, seja em um resfriado ou seja um câncer terminal. Ela se manifesta de diversas formas.

A pergunta é: De onde ela vem e por que ficamos doentes?

Essa foi a pergunta que um amigo meu me fez recentemente. A motivação por trás de sua pergunta era porque ele tinha ouvido que toda doença era do diabo e se a pessoa está doente, o diabo é o responsável.

Essa pergunta não é nova, ela já foi feita a dois mil anos atrás. Talvez não nas mesmas palavras, mas o questionamento é o mesmo.

Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?”

Os discípulos de Jesus queriam uma explicação perante a doença e nós discípulos de Jesus também queremos explicações.

A lógica dos discípulos é: Se existe cegueira, então é fruto de um pecado específico que esse homem cometeu. Eu receio que é a mesma e única lógica encontrada dentro de muitos círculos religiosos até hoje.

Dependendo da denominação cristã que você faz parte, aceitar o sofrimento e a doença é inconcebível com a sua fé. Aliás, dizem eles, “Cristo levou sobre si as nossas dores, pelas suas feridas fomos sarados”. O cristão não pode ficar doente nem sofrer, pois Cristo já sofreu no seu lugar.

Então expulsam o diabo de um crente, culpam o cristão por ter pecado – “quem pecou? ” – Ou o acusam de ter uma fé fraca, incapaz de remover montanhas. A confusão é grande...
Mas isso é não compreender que a cruz de Cristo realmente conquistou a vitória sobre o pecado, sofrimento e morte. Isso é um fato decisivo e final. Mas o que temos que compreender também é que esses benefícios oriundos da vida, morte e ressurreição de Cristo, embora já seja uma realidade, não é uma realidade perfeita e final nessa vida em que vivemos. Isso é claramente visto com a realidade do pecado.

Cristo levou nossos pecados sobre Ele (2 Co 5.21) e em Cristo somos livres da condenação do pecado (Rm 8.1) mas sabemos que ainda temos a presença do pecado, “o pecado que habita em mim” (Rm 7.20) e seu poder embora derrotado ainda é atuante em nós – “portanto, não permitam que o pecado continue dominando os seus corpos mortais...” (Rm 6.12).

Portanto, veja que o “servo sofredor” de Isaías 53 “foi transpassado por nossas transgressões e esmagado por causa de nossas iniquidades” (Is 53.5) porém a presença dessas transgressões e iniquidades ainda é real.

Isso significa que o que Deus fez em Cristo na cruz não adiantou para nada?! Não! De maneira nenhuma. Significa que Deus resolveu sim o problema do pecado, já decretou sua sentença em Cristo de modo final e decisivo, porém essas bênçãos se aplicam a nós por “estágios”!

Todo cristão sabe que seu passado foi de fato perdoado, que o poder do pecado foi de fato derrotado e que um dia ele será de fato livre da presença do pecado. Há de chegar um dia que “quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é” (1 Jo 3.2) e aí sim “Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Ap 21.4).

Enquanto a “antiga ordem” (esse tempo presente) não passar, existe morte, tristeza, choro, dor, doença, pecado, e todas as demais consequências do nosso pecado em Adão (Rm 5). Portanto a cruz de Cristo conquistou a vitória sobre o pecado, doença e morte, isso é uma realidade, mas não uma realidade perfeita e completa até que “novos céus e nova terra” aconteça (Ap 21.1). Hoje já experimentamos em parte essa realidade, os próprios milagres que Deus fez e faz na história nos indicam que a cruz de Cristo de fato venceu sobre o pecado e seus efeitos. Mas a realidade completa e perfeita dessa conquista nós não experimentaremos por agora.

Entender isso é fundamental para nossa compreensão bíblica perante o sofrimento humano. É o que a teologia vai explicar com o “now” e “not yet” (“já” e “ainda não”) com relação ao reino de Deus. O reinou de Deus “já” está entre nós, é uma realidade, porém “ainda não” de maneira completa, perfeita e final.

A mesma realidade se aplica para a doença – uma consequência do pecado original de Adão (Gn 3). “Deus já levou sobre si nossas enfermidades” (Is 53), e em parte experimentamos essa realidade, porém não de maneira perfeita e completa. A única certeza que temos que cristãos serão realmente saudáveis e imunes à doença é no “novos céus e nova terra”. A cruz de Cristo de fato conquistou isso para nós e seremos semelhantes a Ele com um corpo glorificado, mas esperar isso aqui na terra é compreender erroneamente a Palavra.

De volta à nossa história....

“Quem pecou?!”

Ah, Jesus poderia ter dito: “Adão pecou e por isso estamos do jeito que estamos. Vocês não sabem que a morte é a consequência desse pecado? Que todo mal vivido tem sua reposta no Éden?”

Ele poderia ter dito: “Vocês pecaram em Adão (Rm 5). E por isso sofrem do jeito que sofrem! ”

Ou então, ele poderia ter respondido: “Quem pecou?! – se essa for a única lógica meus discípulos, então todos vocês deveriam estar cegos! Pois ‘todos pecaram e não dão glória para Deus’ (Rm 3.23). Por que esse cego somente sofre? Todos deveriam nascer cegos!”

Jesus tinha dado uma resposta assim perante outra tragédia, quando Pilatos estava sacrificando galileus em seus sacrifícios: "Vocês pensam que esses galileus eram mais pecadores que todos os outros, por terem sofrido dessa maneira?” (Lc 13.2).

E quando a torre de Siloé caiu e matou 18 pessoas, ele disse: “Ou vocês pensam que aqueles dezoito que morreram, quando caiu sobre eles a torre de Siloé, eram mais culpados do que todos os outros habitantes de Jerusalém?” (Lc 13.4)

Jesus tinha muitas respostas para dar, mas me parece que Jesus decidiu não responder a causa específica daquela doença desse cego de nascença, mas sim o seu propósito -  e como seria bom se nós, Igreja brasileira, aprendêssemos com Jesus!

Disse Jesus: "Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele.
Ouça essa resposta Igreja! Ninguém pecou para que esse cego nascesse assim. É certo que Jesus não estava disposto a nos responder a causa específica dessa doença e sofrimento. Isso não foi importante para Ele aqui, mas sim o propósito disso tudo – para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele!

Quando você entende que Deus tem um propósito inclusive na doença, veremos a doença de uma maneira diferente.

Eu duvido que quando você entende isso, você vai culpar satanás, querer “amarrar” a sua doença ou dar ordens para Deus. Você vai se submeter humildemente à vontade divina, sem entender o “porque”, mas sabendo do “para que” dessa situação – Deus tem um propósito nisso tudo!

Eu não estou dizendo que não iremos orar (Tg 1.14-15) para que Deus cure a doença, mas tem uma grande diferente de orarmos humildemente a Deus e sermos especialistas em causas específicas de todo sofrimento humano. Se Jesus não nos deu uma causa específica, quem somos nós para tal coisa?! Sim, eu sei que a Bíblia menciona algumas causas específicas para a doença e o sofrimento (e isso provavelmente virá em um outro post) mas que aprendamos com essa verdade aqui também – a cegueira desse homem aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele!

Oh, quanto sofrimento esse homem experimentou em sua vida toda. Como foi difícil para ele viver assim. Que vergonha enfrentou. Como seus pais sofreram com ele. Quantas perguntas não respondidas na sua caminhada. Quantas orações não respondidas.

E talvez alguém faça uma objeção: “Mas não seria injusto da parte de Deus, permitir que esse homem tenha vivido tanto tempo enfermo e nesse sofrimento, simplesmente para que agora Deus manifestasse a sua obra nele? ”
Mas o verdadeiro cristão jamais pensará assim. Deus é mais importante para ele do que a sua própria vida. “O teu amor é melhor do que a vida” diz o salmista (Sl 63.3). Se o cristão entende que Deus tem seus propósitos na sua vida inclusive através da doença, ele se alegrará em Deus da mesma maneira. Deus e sua obra é melhor do que a própria vida! É a glória de Deus que está em jogo e que ela seja vista através da minha vida, quer pela doença, quer pela saúde!

Talvez alguém ainda argumente: “Mas o propósito de Deus na vida desse cego foi a cura da sua cegueira física, então todos tem que ser curado pois esse é o propósito de Deus! ”

Eu prefiro acreditar que a maior cegueira na vida daquele homem era a cegueira espiritual pois no final dessa história, após a cura física desse homem, lemos:

Jesus: “Você crê no Filho do homem?”
Ex cego: “Quem é Ele, Senhor, para que eu nele creia?”
Jesus: “Você já o tem visto. É aquele que está falando com você.”
Ex cego: “Senhor, eu creio” – e o adorou!

A pior cegueira e enfermidade é a espiritual! Aquela que está no coração do homem que não vê Deus na face de Cristo e o adora. Foi dessa cegueira que esse homem foi curado. Esse é o maior milagre dessa história. Isso sim é cura. Esse é o maior propósito de Deus, essa é a obra de Deus sendo manifestada na vida desse homem.

Aos fariseus e religiosos que viam normalmente, Jesus diz: “vocês que dizem que podem ver, a culpa de vocês permanece. ” Em outras palavras, vocês que podem ver, estão cegos!

Quanto propósito havia na doença desse homem. Hoje, dois mil anos depois, essa história ainda nos edifica e nos ensina a respeito de Deus e seus planos. Deus ainda recebe glória por causa dessa enfermidade.

Que seja assim na nossa vida. Quer na vida ou na morte, que Deus receba toda glória sempre!

Pare de ser um especialista em causas de doenças e seja grato a Deus pelos seus propósitos na sua vida, quer seja na saúde ou na doença.

“...mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele.”

Amém.







sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Igreja, uma comunidade de amor


John Stott

A invisibilidade de Deus é um grande problema. Era um problema para o povo de Deus na época do Antigo Testamento. Os seus vizinhos pagãos os insultavam, dizendo: "Onde está o vosso Deus?" Os deuses deles eram visíveis e palpáveis, mas o Deus de Israel não era nem uma coisa, nem outra.

Hoje, em nossa cultura científica, os jovens são ensinados a não crer em nada que não seja aberto à investigação empírica.  Então, como Deus resolveu o problema de sua própria invisibilidade? Evidentemente, a primeira resposta é "em Cristo". Jesus Cristo é a imagem do Deus invisível. João 1.18 afirma: "Ninguém jamais viu a Deus; O Deus unigênito, que está no seio do Pai, é quem o revelou".

As pessoas dizem: "Isso é maravilhoso, mas aconteceu há 2.000 anos. Não há nenhuma maneira pela qual o Deus invisível se torna conhecido hoje?" Há.

Retornamos a 1 João 4.12, que diz: "Ninguém jamais viu a Deus." É exatamente a mesma afirmação introdutória. Mas, em vez de continuar referindo-se ao Filho de Deus, o texto declara: "Se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós". Em outras palavras, o Deus invisível, aquele que se tornou visível em Cristo, agora se torna visível nos cristãos, se amamos uns aos outros.

É uma afirmação impressionante. A igreja local não pode evangelizar, proclamar o evangelho de amor, se não é, ela mesma, uma comunidade de amor.





Fonte: STOTT, John. Why don't they listen? Christianity today, Carol Stream, v. 47, n.9, p.52, Sept. 2003.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O conhecimento de Cristo - C. H. Spurgeon



Por Charles Haddon Spurgeon



Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado com a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor...

Filipenses 3:8


O conhecimento espiritual que temos de Cristo deve ser um conhecimento pessoal. Não posso conhecer Jesus pelo conhecimento que outra pessoa tem dele. Não, eu preciso conhecê-lo por iniciativa própria.

Será um conhecimento inteligente - preciso conhecê-lo, não como em sonhos visionários, mas como a Palavra o revela. Preciso conhecer Sua natureza - divina e humana. Preciso conhecer Suas ocupações; Seus atributos, Suas obras, Sua vergonha, Sua glória. Preciso meditar nele a fim de "compreender, com todos os santos, qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento". 

Será um conhecimento afetuoso; de fato se eu realmente o conheço, devo amá-lo. Alguns gramas de conhecimento no coração valem uma tonelada de aprendizado intelectual.

Nosso conhecimento dele será um conhecimento satisfatório. Quando eu conhecer meu Salvador, minha mente se encherá até a borda - sentirei que tenho aquilo que meu coração almeja. "Eu sou o pão da vida; o que vem a mim jamais terá fome". 

Ao mesmo tempo será um conhecimento empolgante; quanto mais conheço meu Amado, mais desejarei conhecê-lo. Quanto mais alto escalo, mais elevados serão os cumes que convidam meus passos impetuosos. Quanto mais receber, mais desejarei. Como o tesouro do avarento, meu ouro me fará cobiçar mais.

Para concluir: este conhecimento de Cristo Jesus será muitíssimo feliz; na verdade, será de tal enlevação que, algumas vezes, me carregará acima de minhas provações, dúvidas e tristezas; e enquanto desfruto dele, fará de mim mais do que "[um] homem, nascido de mulher, [que] vive breve tempo, cheio de inquietação"; pois a imortalidade do Salvador eterno será lançada impetuosamente sobre mim e me cingirá com o cinto de ouro de Sua eterna alegria. 

Venha minh'alma, sente-se aos pés de Jesus e aprenda dele durante todo este dia.



FONTE: Texto retirado do livro "Dia a dia com Spurgeon - Manhã e Noite" - publicações Pão Diário.

domingo, 16 de agosto de 2015

Martin Luther King, Jr: Carta de uma prisão em Birmingham




Meus caros amigos clérigos, Durante meu confinamento aqui na prisão municipal de Birmingham, deparei-me com sua declaração recente chamando minhas atividades atuais de “insensatas e inoportunas”. Raramente paro para responder a críticas do meu trabalho e ideias. Se tentasse responder a todas as críticas que passam pela minha mesa, minhas secretárias mal teriam tempo para outra coisa que não para essas correspondências no decorrer do dia, e eu não teria tempo algum para o trabalho construtivo. Mas, como sinto que vocês são homens de genuína boa vontade e que suas críticas são expostas com sinceridade, quero tentar responder a sua declaração em termos que espero que sejam pacientes e razoáveis.


Acho que devo mencionar por que estou aqui em Birmingham, já que vocês foram influenciados pela visão que se opõe aos “forasteiros invasores”. Tenho a honra de servir como presidente da Conferência Sulista de Liderança Cristã (Southern Christian Leadership Conference), uma organização que opera em todos os estados sulistas, com sede em Atlanta, Geórgia. Temos cerca de oitenta organizações filiadas por todo o Sul, e uma delas é o Movimento Cristão pelos Direitos Humanos do Alabama (Alabama Christian Movement for Human Rights). Frequentemente, compartilhamos pessoal, recursos educacionais e financeiros com nossos afiliados. Muitos meses atrás, a afiliada aqui em Birmingham pediu-nos para ficar de sobreaviso para tomarmos parte em um programa de ação direta e pacífica, se isso fosse considerado necessário. Nós prontamente concordamos, e, quando o momento chegou, honramos nossa promessa. Assim, eu, junto a vários membros do meu pessoal, estou aqui porque fui convidado. Estou aqui porque tenho vínculos organizacionais aqui.

No entanto, mais fundamentalmente, estou em Birmingham porque a injustiça está aqui. Assim como os profetas do século VIII A.C. abandonaram suas vilas e levaram seu “assim disse o Senhor” muito além das fronteiras de suas cidades natais, e assim como o Apóstolo Paulo abandonou sua vila de Tarso e levou o evangelho de Jesus Cristo às mais remotas partes do mundo greco-romano, também eu sou compelido a levar o evangelho da liberdade para além de minha própria cidade natal. Como Paulo, devo constantemente responder ao chamado macedônio por ajuda.

Além disso, estou ciente do inter-relacionamento entre todas as comunidades e Estados. Não posso ficar ociosamente parado em Atlanta e não estar preocupado com o que acontece em Birmingham. A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. Estamos presos em uma rede inescapável de mutualidade, atados em um único laço do destino. Algo que aja sobre alguém diretamente age sobre todos indiretamente. Não podemos nunca mais nos permitir viver com a ideia estreita, provinciana, do “forasteiro agitador”. Qualquer pessoa que viva dentro dos Estados Unidos não pode jamais ser considerada um forasteiro em qualquer lugar dentro de suas fronteiras.

Vocês deploram as manifestações que estão ocorrendo em Birmingham. Mas sua declaração, sinto dizer, deixa de expressar preocupação semelhante com as condições que provocaram as manifestações. Tenho certeza de que nenhum de vocês gostaria de descansar contente com o tipo raso de análise social que trata meramente dos efeitos e não ataca as causas subjacentes. É lamentável que as manifestações estejam ocorrendo em Birmingham, mas é ainda mais lamentável que a estrutura de poder dos brancos da cidade tenha deixado a comunidade negra sem alternativa.

Em qualquer campanha pacífica, há quatro passos básicos: coleta dos fatos para determinar se existem injustiças; negociação; auto-purificação; e ação direta. Efetuamos todos esses passos em Birmingham. Não pode haver nenhum ganho em enunciar o fato de que a injustiça racial engole essa comunidade. Birmingham é provavelmente a cidade mais completamente segregada dos Estados Unidos. Sua feia história de brutalidade é amplamente conhecida. Os negros experimentaram um tratamento grosseiramente injusto nos tribunais. Houve mais bombardeios não solucionados de casas e igrejas negras em Birmingham do que em qualquer outra cidade no país. Esses são os fatos duros e brutais do caso. Com base nessas condições, os líderes negros tentaram negociar com as autoridades da cidade. Mas os últimos recusaram-se consistentemente a tomar parte em negociações de boa fé.

Então, no último mês de setembro, surgiu a oportunidade de falar com os líderes da comunidade econômica de Birmingham. No decorrer das negociações, certas promessas foram feitas pelos comerciantes – por exemplo, de remover os sinais raciais humilhantes das lojas. Com base nessas promessas, o reverendo Fred Shuttlesworth e os líderes do Movimento Cristão pelos Direitos Humanos de Alabama acordaram uma interrupção das manifestações. Com o passar de semanas e meses, percebemos que éramos as vítimas de uma promessa quebrada. Alguns sinais, removidos por pouco tempo, retornaram; outros permaneceram. Como em muitas outras experiências anteriores, nossas esperanças tinham sido destruídas, e a sombra de uma decepção profunda caiu sobre nós. Não tínhamos alternativa a não ser nos prepararmos para a ação direta, por meio da qual exibiríamos nossos próprios corpos como um meio de apresentar nossa causa à consciência das comunidades local e nacional. Cientes das dificuldades envolvidas, decidimos empreender um processo de auto-purificação. Iniciamos uma série de oficinas sobre o pacifismo, e repetidamente nos perguntávamos: “Vocês são capazes aceitar golpes sem retaliar?” “Vocês são capazes de resistir à provação da cadeia?” Decidimos marcar nosso programa de ação direta no período de Páscoa, percebendo que, exceto pelo Natal, é o principal período de compras do ano. Sabendo que um programa vigoroso de retração econômica seria o efeito colateral da ação direta, sentimos que esse seria o melhor momento para aplicar uma pressão sobre os comerciantes em prol da mudança necessária.

Então, demo-nos conta de que a eleição para prefeito de Birmingham ocorreria em março, e rapidamente decidimos postergar a ação para depois do dia de eleição. Quando descobrimos que o Comissário de Segurança Pública, Eugene “Touro” Connor, havia reunido votos suficientes para ir ao segundo turno, decidimos mais uma vez postergar a ação para depois do dia do segundo turno, para que as manifestações não pudessem ser usadas para obscurecer os temas. Como muitos outros, esperávamos ver a derrota do Sr. Connor, e com esse fim aguentamos adiamento após adiamento. Tendo ajudado nessa necessidade da comunidade, sentimos que nosso programa de ação direta não poderia mais ser atrasado.

Vocês podem muito bem perguntar: “Por que ação direta? Por que sit-ins, marchas e assim por diante? Não seria a negociação um caminho melhor?” Vocês estão bastante certos em clamar por negociações. Na verdade, esse é o real propósito da ação direta. A ação direta pacífica busca criar uma tal crise e promover uma tal tensão que a comunidade que constantemente se recusou a negociar é forçada a confrontar o tema. Ela busca, assim, dramatizar um tema que não pode mais ser ignorado. Minha referência à criação de tensão como parte do trabalho do resistente pacífico pode soar um tanto chocante. Mas devo confessar que não tenho medo da palavra “tensão”. Opus-me veementemente à tensão violenta, mas há um tipo de tensão construtiva, pacífica, que é necessária para o crescimento. Assim como Sócrates sentiu que era necessário criar uma tensão na mente para que os indivíduos pudessem ascender da servidão de mitos e de meias verdades ao reino livre de amarras da análise criativa e da avaliação objetiva, também nós temos de ver a necessidade de impertinentes pacíficos para criar o tipo de tensão na sociedade que ajudará os homens a ascenderem das escuras profundezas do preconceito e do racismo às alturas majestosas da compreensão e da fraternidade. O propósito de nosso programa de ação direta é criar uma situação tão recheada de crise que inevitavelmente abrirá as portas à negociação. Eu, portanto, concordo com vocês no seu clamor por negociações. Nossas amadas terras do Sul têm estado atoladas por tempo demais em um trágico esforço para viver em um monólogo ao invés de em um diálogo.

Um dos pontos fundamentais em sua declaração é o de que a ação que eu e meus associados tomamos em Birmingham é inoportuna. Alguns perguntaram: “Por que vocês não deram à nova administração da cidade tempo para agir?” A única resposta que posso dar a essa indagação é que a nova administração de Birmingham tem de ser incitada tanto quanto a que está de saída, antes que ela aja. Estaremos tristemente enganados se sentirmos que a eleição de Albert Boutwell como prefeito trará uma época de ouro a Birmingham. Embora o Sr. Boutwell seja uma pessoa muito mais tolerante do que o Sr. Connor, ambos são segregacionistas, dedicados à manutenção do status quo. Tenho esperança em que o Sr. Boutwell será razoável o bastante para notar a futilidade de uma resistência ampla ao fim da segregação. Mas ele não notará isso sem a pressão dos partidários dos direitos civis. Meus amigos, tenho de dizer a vocês que não obtivemos um único ganho em direitos civis sem uma firme pressão legal e pacífica. Lamentavelmente, é um fato histórico que grupos privilegiados raramente renunciam aos seus privilégios por vontade própria. Indivíduos podem ver a luz da moral e renunciar voluntariamente às suas posturas injustas; mas, como Reinhold Niebuhr lembrou-nos, grupos tendem a ser mais imorais do que indivíduos.

Sabemos por meio de experiências dolorosas que a liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor; ela tem de ser exigida pelo oprimido. Francamente, ainda não tomei parte em uma campanha de ação direta que fosse “oportuna” na visão daqueles que não sofreram indevidamente da doença da segregação. Já faz anos que ouço a palavra “Espere!” Ela ressoa nos ouvidos de cada negro com uma familiaridade aguda. Esse “espere” quase sempre significou “nunca”. Temos de chegar à percepção, junto com um de nossos eminentes juristas, de que “a justiça adiada por muito tempo é justiça negada”.

Esperamos por mais de 340 anos por nossos direitos constitucionais e concedidos por Deus. As nações da Ásia e da África estão dirigindo-se com uma velocidade a jato rumo à conquista da independência política, mas nós ainda nos arrastamos a passo de cavalo e de charrete rumo à conquista de uma xícara de café em um aparador. Talvez seja fácil àqueles que nunca sentiram os dardos perfurantes da segregação dizer “espere”. Mas quando você viu bandos perversos lincharem suas mães e pais à vontade e afogar suas irmãs e irmão a seu capricho; quando você viu policiais cheios de ódio amaldiçoarem, chutarem e até matarem seus irmãos e irmãs negros; quando você vê a vasta maioria de seus vinte milhões de irmãos negros sufocando-se em uma jaula hermética da pobreza em meio a uma sociedade de abundância; quando você de repente descobre sua língua travada e sua fala gaga ao tentar explicar a sua irmã de seis anos de idade por que ela não pode ir ao parque de diversões público cuja propaganda acabou de passar na televisão, e vê lágrimas jorrando dos olhos dela quando lhe é dito que o Funtown está fechado para crianças de cor, e vê ameaçadoras nuvens de inferioridade começando a se formar no pequeno céu mental dela, e a vê começar a distorcer sua personalidade ao desenvolver um rancor inconsciente contra as pessoas brancas; quando você tem de inventar uma resposta a um filho de cinco anos de idade que está perguntando: “papai, por que as pessoas brancas tratam as pessoas de cor tão mal?”; quando você faz uma viagem através de seu estado e descobre ser necessário dormir noite após noite nos cantos desconfortáveis de seu carro porque nenhum motel o aceita; quando você é humilhado entra dia sai dia por sinais irritantes dizendo “branco” e “de cor”; quando seu prenome torna-se “neguinho”, seu nome do meio torna-se “menino” (não importa sua idade) e seu sobrenome torna-se “John”, e sua mulher e mãe nunca são chamadas pelo título respeitável de “Sras.”; quando você é perseguido de dia e assombrado à noite pelo fato de que você é um negro, vivendo constantemente na ponta dos pés, sem saber exatamente o que esperar em seguida, e é atormentado por medos interiores e ressentimentos exteriores; quando você está sempre lutando contra uma impressão degradante de “não ser ninguém” – então você entenderá porque achamos difícil esperar. Chega um momento em que a capacidade de suportar esgota-se, e os homens não estão mais dispostos a mergulhar no abismo do desespero. Espero, senhores, que vocês possam compreender nossa impaciência legítima e inevitável. Vocês manifestam uma boa dose de ansiedade quanto à nossa disposição de violar as leis. Essa é certamente uma preocupação legítima. Como nós exortamos tão ativamente as pessoas a obedecerem à decisão de 1954 da Suprema Corte que baniu a segregação em escolas públicas, à primeira vista pode parecer um tanto paradoxal que nós conscientemente violemos leis. Também se poderia perguntar: “Como vocês podem advogar a violação de certas leis e a obediência a outras?” A resposta está no fato de que existem dois tipos de leis: as justas e as injustas. Eu seria o primeiro a advogar a obediência a leis justas. Tem-se uma responsabilidade não só legal como também moral de obedecer a leis justas. De modo contrário, tem-se uma responsabilidade moral de desobedecer a leis injustas. Concordaria com Santo Agostinho em que “uma lei injusta simplesmente não é lei”.

Agora, qual é a diferença entre as duas? Como se pode determinar se uma lei é justa ou injusta? Uma lei justa é um código produzido pelo homem que se ajusta à lei moral ou à lei de Deus. Uma lei injusta é um código que está em desacordo com a lei moral. Para colocar nos termos de Santo Tomás de Aquino: uma lei injusta é uma lei humana que não está radicada na lei eterna e na lei natural. Qualquer lei que eleve a personalidade humana é justa. Qualquer lei que degrade a personalidade humana é injusta. Todos os estatutos segregacionistas são injustos porque a segregação desfigura a alma e danifica a personalidade. Ela dá ao segregador uma falsa impressão de superioridade e aos segregados, uma falsa impressão de inferioridade. A segregação, para usar a terminologia do filósofo judeu Martin Buber, substitui uma relação “eu-você” por uma relação “eu-isso” e acaba por relegar pessoas à condição de coisas. Portanto, a segregação não é apenas política, econômica e sociologicamente doentia: é moralmente errada e pecaminosa. Paul Tillich disse que o pecado é uma separação. A segregação não é uma expressão existencial da trágica separação do homem, da sua horrível alienação, da sua terrível pecaminosidade? Sendo assim, posso exortar os homens a obedecerem à decisão de 1954 da Suprema Corte, porque ela é moralmente correta; e posso exortá-los a desobedecerem a normas segregacionistas, porque elas são moralmente erradas.

Consideremos um exemplo mais concreto de leis justas e injustas. Uma lei injusta é um código que um grupo majoritário em termos de poder ou de número compele um grupo minoritário a obedecer, mas ao qual não se sujeita. Isso é a diferença tornada legal. Pela mesma razão, uma lei justa é um código que uma maioria compele uma minoria a seguir e que ela própria está disposta a seguir. Isso é a igualdade tornada legal. Deixe-me fazer outro esclarecimento. Uma lei é injusta se for imposta a uma minoria que, por ter o direito de votar negado a si, não participou da decretação ou da criação da lei. Quem pode dizer que o parlamento do Alabama que constituiu as leis segregacionistas daquele Estado foi democraticamente eleito? Por todo o Alabama, todos os tipos de métodos tortuosos foram usados para impedir os negros de tornarem-se eleitores registrados, e há alguns municípios em que, embora os negros componham a maioria da população, um negro sequer está registrado. Qualquer lei decretada sob essas circunstâncias pode ser considerada democraticamente estruturada?

Às vezes, uma lei é justa no papel e injusta na sua aplicação. Por exemplo, fui preso por uma acusação de fazer uma passeata sem autorização. Agora, não há nada de errado em existir uma norma que exija uma autorização para uma passeata. Mas essa norma torna-se injusta quando é usada para manter a segregação e negar a cidadãos o direito fundamental da primeira emenda à Constituição de reunião pacífica e de protesto.

Espero que vocês sejam capazes de observar a distinção que estou tentando mostrar. De modo algum, defendo a evasão e o desafio à lei, como faria o segregacionista furioso. Isso levaria à anarquia. Alguém que viole uma lei injusta tem de fazê-lo abertamente, amorosamente, e com disposição para aceitar a pena. Argumento que um indivíduo que viola uma lei que a consciência lhe diz que é injusta, e que aceita de bom grado a pena de prisão a fim de despertar a consciência da comunidade quanto à sua injustiça, está na verdade exprimindo o mais elevado respeito à lei.

Obviamente, não há nada de novo nessa forma de desobediência civil. Ela foi manifestada de maneira sublime pela recusa de Shadrach, Meshach e Abednego a obedecerem às leis de Nabucodonosor, sob o argumento de que estava em jogo uma lei moral mais elevada. Foi praticada soberbamente pelos primeiros cristãos, que preferiam enfrentar leões famintos e a dor torturante do talho a submeter-se a certas leis injustas do Império Romano. Até certo ponto, a liberdade acadêmica é uma realidade hoje porque Sócrates praticou a desobediência civil. Na nossa própria nação, o Boston Tea Party representou um ato imponente de desobediência civil.

Nunca devemos nos esquecer de que tudo que Adolf Hitler fez na Alemanha era “legal” e tudo que os combatentes húngaros da liberdade fizeram na Hungria era “ilegal”. Era “ilegal” ajudar e confortar um judeu na Alemanha de Hitler. Ainda assim, tenho certeza de que, se tivesse vivido na Alemanha naquele tempo, teria ajudado e confortado meus irmãos judeus. Se vivesse hoje em um país comunista onde certos princípios caros à fé cristã foram suprimidos, defenderia abertamente a desobediência às leis antirreligiosas do país.

Tenho de fazer duas confissões sinceras a vocês, meus irmãos cristãos e judeus. Primeiro, tenho de confessar que ao longo dos últimos anos decepcionei-me seriamente com os brancos moderados. Quase cheguei à lamentável conclusão de que a maior pedra no caminho dos negros em seu avanço rumo à liberdade não é o White Citizen’s Counciler ou o membro da Ku Klux Klan, mas os brancos moderados, que são mais zelosos da “ordem” do que da justiça; que preferem uma paz negativa que é a ausência de tensão a uma paz positiva que é a presença da justiça; que dizem constantemente: “concordo com vocês quanto ao objetivo que buscam, mas não posso concordar com seus métodos de ação direta”; que acreditam paternalisticamente que podem fixar o cronograma para a liberdade de outro homem; que vivem sob um conceito mítico do tempo e que constantemente aconselham o negro à espera por uma “época mais apropriada”. A compreensão superficial de pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a incompreensão completa de pessoa de má vontade. A aceitação morna é muito mais atordoante do que a rejeição total.

Eu tinha tido esperanças de que os brancos moderados compreenderiam que a lei e a ordem existem para o propósito de estabelecer a justiça e que quando fracassam nesse propósito tornam-se represas estruturadas perigosamente que bloqueiam o curso do progresso social. Tinha tido esperanças de que os brancos moderados compreenderiam que a atual tensão no sul é uma fase necessária da transição de uma detestável paz negativa, em que os negros passivamente aceitavam suas injustas situações difíceis, para uma paz positiva e substantiva, em que todos os homens respeitarão a dignidade e o valor da personalidade humana. Na realidade, nós que nos envolvemos em ações diretas pacíficas não somos os criadores da tensão. Tão-somente trazemos à superfície a tensão oculta que já existe. Descortinamo-la, para que possa ser vista e tratada. Como um furúnculo que não pode ser curado enquanto estiver coberto, mas que deve ser exposto com toda a sua feiura aos remédios naturais do ar e da luz, a injustiça tem de ser desvendada, com toda a tensão que sua exposição gera, à luz da consciência humana e ao ar da opinião nacional, antes que possa ser curada.

Em sua declaração, vocês afirmam que nossas ações, embora pacíficas, devem ser condenadas porque precipitam a violência. Mas essa é uma afirmação lógica? Isso não equivale a condenar um homem roubado porque sua posse de dinheiro precipitou o ato mau do roubo? Isso não equivale a condenar Sócrates porque seu compromisso inabalável com a verdade e suas investigações filosóficas precipitaram o ato do povo mal orientado pelo qual o fizeram beber a cicuta? Isso não equivale a condenar Jesus porque sua singular consciência divina e devoção inesgotável à vontade de Deus precipitaram o ato mau da crucificação? Devemos notar que, como os tribunais federais consistentemente afirmaram, é errado incitar um indivíduo a interromper seus esforços para obter seus direitos constitucionais básicos porque a jornada pode precipitar a violência. A sociedade tem de proteger o roubado e punir o ladrão. Também tinha tido esperanças de que os brancos moderados rejeitariam o mito concernente ao tempo em relação à luta pela liberdade. Recebi há pouco uma carta de um irmão branco do Texas. Ele escreve: “Todos os cristãos sabem que as pessoas de cor um dia receberão direitos iguais, mas é possível que vocês estejam com uma pressa religiosa grande demais. A cristandade precisou de quase dois mil anos para alcançar o que tem hoje. Os ensinamentos de Cristo demoram a chegar a Terra.” Essa concepção decorre de um trágico conceito errôneo do tempo, da noção estranhamente irracional de que há algo no próprio curso do tempo que inevitavelmente curará todos os males. Na realidade, o tempo em si é neutro; pode ser usado quer destrutivamente, quer construtivamente. Cada vez mais, sinto que as pessoas de má vontade usam o tempo de modo muito mais eficaz do que as pessoas de boa vontade. Nós nos arrependeremos, no tocante a essa geração, não apenas das palavras e ações odiáveis das pessoas más, como também do silêncio espantoso das pessoas boas. O progresso humano nunca advém da roda da inevitabilidade; ele deflui dos incansáveis esforços de homens dispostos a serem colegas de trabalho de Deus, e, sem esse trabalho duro, o próprio tempo torna-se um aliado das forças da estagnação social. Temos de usar o tempo criativamente, com base no conhecimento de que o tempo sempre está pronto para fazer o certo. Agora é a hora de tornar real a promessa de democracia e de transformar nossa iminente elegia nacional em um criativo salmo da fraternidade. Agora é a hora de alçar nossa política nacional da areia movediça da injustiça racial à sólida rocha da dignidade humana.

Vocês falam de nossa atividade em Birmingham como extrema. A princípio, fiquei um pouco decepcionado com o fato de amigos clérigos considerarem meus esforços pacíficos como os de um extremista. Comecei a pensar sobre o fato de que me situo no meio de duas forças opostas na comunidade negra. Uma é a força da complacência, composta em parte por negros que, como resultado de longos anos de opressão, estão tão carentes de amor-próprio e da sensação de “ser alguém” que se adaptaram à segregação; e em parte de alguns negros de classe média que, devido a certo grau de segurança acadêmica e econômica e porque se beneficiam de algum modo da segregação, tornaram-se insensíveis aos problemas das massas. A outra é uma força da amargura e do ódio, que chega perigosamente perto de defender a violência. Manifesta-se em vários grupos nacionalistas negros que estão brotando por todo o país, sendo o maior e mais conhecido o movimento islâmico de Elijah Muhammad. Alimentado pela frustração dos negros pela existência contínua da discriminação racial, esse movimento é composto de pessoas que perderam a fé nos Estados Unidos, que repudiaram completamente o cristianismo e que concluíram que o homem branco é um “demônio” incorrigível.

Tentei me situar entre essas duas forças, dizendo que não precisamos imitar nem a inação dos complacentes nem o ódio e o desespero dos nacionalistas negros. Porque existe a maneira muito melhor do amor e do protesto pacífico. Sou grato a Deus por, mediante a influência da igreja negra, a maneira do pacifismo ter-se tornado uma parte essencial de nossa luta. Se essa filosofia não tivesse surgido, muitas ruas do sul estariam agora, tenho certeza, com rios de sangue. Estou ainda mais certo de que, se nossos irmãos brancos repudiarem aqueles de nós que empregam ações diretas pacíficas como “um bando de inflamados” ou “forasteiros agitadores”, e se se recusarem a apoiar nossos esforços pacíficos, milhões de negros buscarão, por frustração e desespero, consolo e segurança em ideologias nacionalistas negras – uma evolução que inevitavelmente levaria a um assustador pesadelo racial.

Pessoas oprimidas não podem permanecer oprimidas para sempre. A ânsia pela liberdade por fim manifesta-se, e foi isso que aconteceu com o negro americano. Algo em seu interior lembrou-lhe de seu direito inato à liberdade, e algo exterior lembrou-lhe que ele pode ser obtido. Consciente ou inconscientemente, ele foi apanhado pelo espírito da época, e com seus irmãos negros da África e seus irmãos amarelos e pardos da Ásia, da América do Sul e do Caribe, o negro dos Estados Unidos está se movendo com uma sensação de incrível urgência rumo à terra prometida da justiça racial. Ao reconhecer-se esse anseio vital que se apoderou da comunidade negra, entende-se prontamente por que manifestações públicas estão ocorrendo. O negro tem muitos ressentimentos reprimidos e frustrações latentes, e ele precisa libertá-los. Então, deixe-o marchar; deixe-o fazer peregrinações pias às prefeituras; deixe-o ir em viagens pela liberdade – e tente entender por que ele tem de fazê-lo. Se suas emoções reprimidas não forem liberadas de maneiras pacíficas, buscarão expressão por meio da violência; isso não é uma ameaça, mas um fato histórico. Assim, não disse ao meu povo: “livre-se de seu desgosto”. Antes, tentei dizer que esse desgosto normal e saudável pode ser canalizado por escapes criativos como a ação direta pacífica. E agora esse método está sendo denominado de extremista. Mas, embora tenha ficado inicialmente decepcionado ao ser classificado como extremista, continuando a pensar sobre o assunto, gradualmente extraí certa dose de satisfação do rótulo. Não era Jesus um extremista do amor: “Ame seus inimigos, abençoe aqueles que te amaldiçoam, faça o bem àqueles que te odeiam e reze por aqueles que desprezivelmente te usam e te atormentam”? Não era Amos um extremista da justiça: “Deixem a justiça fluir como as águas e a probidade como um rio que nunca para”? Não era Paulo um extremista do evangelho cristão: “Carrego no meu corpo as marcas do Senhor Jesus”? Não era Martinho Lutero um extremista: “Aqui estou; não tenho alternativa, então que Deus me ajude”? E John Bunyan: “Ficarei na prisão até o fim dos meus dias, até que faça da minha consciência um matadouro”? E Abraham Lincoln: “Esse país não pode sobreviver metade escravo e metade livre”? E Thomas Jefferson: “Temos essas verdades como auto-evidentes, de que todos os homens nascem iguais...”? Assim, a questão não é se seremos extremistas, mas que tipo de extremistas seremos. Seremos extremistas do ódio ou do amor? Seremos extremistas da preservação da injustiça ou da extensão da justiça? Naquela cena dramática do Calvário, três homens foram crucificados. Nunca devemos nos esquecer de que todos os três foram crucificados pelo mesmo crime – o crime de extremismo. Dois eram extremistas da imoralidade e, assim, estavam abaixo dos demais. O outro, Jesus Cristo, era um extremista do amor, da verdade e do bem, e, por conseguinte, ergueu-se acima dos demais. Talvez o sul, o país e o mundo estejam com uma terrível carência de extremistas criativos.

Tivera esperança de que os brancos moderados notariam essa carência. Talvez estivesse otimista demais; talvez esperasse demais. Suponho que deveria ter percebido que poucos membros da raça opressora podem compreender os graves gemidos e os anseios apaixonados da raça oprimida, e que menos ainda têm a perspicácia para notar que a injustiça tem de ser extirpada por ações fortes, persistentes e determinadas. Sou grato, contudo, pelo fato de que alguns de nossos irmãos brancos do sul alcançaram o significado dessa revolução social e empenharam-se nela. Eles ainda são muito poucos em quantidade, mas são muitos em qualidade. Alguns – como Ralph McGill, Lillian Smith, Harry Golden, James McBride Dabbs, Ann Braden e Sarah Patton Boyle – escreveram sobre nossa luta em termos eloquentes e proféticos. Outros marcharam conosco por ruas sem nome do sul. Debilitaram-se em prisões imundas, infestada por baratas, sofrendo os abusos e a brutalidade de policiais que os veem como “sujos amantes dos negros”. Diferentemente de tantos de seus irmãos e irmãs moderados, reconheceram a urgência do momento e sentiram a necessidade de poderosos antídotos “de ação” para combater a doença da segregação. Deixem-me tomar nota de minha outra grande decepção. Decepcionei-me tão imensamente com a igreja branca e suas lideranças. É claro, há algumas notáveis exceções. Não me esqueço do fato de que cada um de vocês tomou algumas posições significativas nesse tema. Louvo-o, reverendo Stallings, pela sua postura cristã no último domingo, ao receber negros nos seus serviços de devoção de maneira não-segregacionista. Louvo os líderes católicos desse Estado por terem integrado o Spring Hill College muitos anos atrás.

Mas, apesar dessas notáveis exceções, tenho de sinceramente reiterar que me decepcionei com sua igreja. Não digo isso como um daqueles críticos negativos que sempre conseguem encontrar algo errado na igreja. Digo isso como um sacerdote do evangelho, que ama a igreja; que foi acalentado em seu seio; que tem sido sustentado por suas bênçãos espirituais e que permanecerá fiel a ela enquanto o fio da vida estender-se.
Quando fui de repente catapultado à liderança do protesto dos ônibus em Montgomery, Alabama, há alguns anos, achei que seríamos apoiados pela igreja branca. Achei que os sacerdotes, os padres e os rabinos brancos do sul estariam entre os nossos mais firmes aliados. Ao contrário, alguns foram completos oponentes, recusando-se a compreender o movimento pela liberdade e deturpando seus líderes; muitos outros foram mais cautelosos do que corajosos e permaneceram mudos atrás da segurança anestesiante das janelas de vitral.

A despeito de meus sonhos despedaçados, vim a Birmingham com a esperança de que a liderança religiosa branca dessa comunidade veria a justiça de nossa causa e, com profunda preocupação moral, serviria como canal através do qual nossas justas queixas alcançariam a estrutura do poder. Tivera esperança de que cada um de vocês compreenderia. Mas, de novo, decepcionei-me.

Ouvi numerosos líderes religiosos sulistas admoestarem seus devotos a cumprir a decisão contra a segregação porque é a lei, mas ansiei por ouvir sacerdotes brancos declararem: “Sigam esse decreto porque a integração é moralmente correta e porque o negro é seu irmão.” Em meio a barulhentas injustiças infligidas sobre o negro, observei membros da igreja permanecerem à distancia e declamarem irrelevâncias pias e platitudes carolas. Em meio a uma vigorosa luta para livrar nosso país da injustiça racial e econômica, ouvi muitos sacerdotes dizerem: “Esses são temas sociais, com os quais o evangelho não tem nenhuma preocupação real”. E vi muitas igrejas empenharem-se numa religião completamente de outro mundo que faz uma estranha e não-bíblica distinção entre o corpo e a alma, entre o sagrado e o secular.

Viajei acima e abaixo por Alabama, Mississipi e todos os outros estados sulistas. Em dias sufocantes de verão e manhãs revigorantes de outono, contemplei as lindas igrejas do sul, com seus cumes majestosos apontados em direção aos céus. Admirei os perfis impressionantes dos amplos edifícios de educação religiosa. Repetidamente, peguei-me perguntando: “Que tipo de pessoa ora aqui? Quem é seu Deus? Onde estavam suas vozes quando dos lábios do governador Barnett respingaram palavras de interposição e nulificação? Onde elas estavam quando o governador Wallace deu um toque de clarim em favor do desafio e do ódio? Onde estavam suas vozes de apoio quando homens e mulheres negros, feridos e exaustos, decidiram levantar-se dos calabouços escuros da complacência até as colinas claras do protesto criativo?”
Sim, essas perguntas ainda estão na minha mente. Em decepção profunda, chorei pela frouxidão da igreja. Mas estejam certos de que minhas lágrimas foram lágrimas de amor. Não pode existir decepção profunda onde não existe amor profundo. Sim, amo a igreja. Como poderia não amar? Estou na posição um tanto singular de filho, neto e bisneto de pregadores. Sim, vejo a igreja como o corpo de Cristo. Mas, oh!, como maculamos e deixamos cicatrizes nesse corpo por meio da negligência social e por meio do medo de sermos não-conformistas.

Houve um tempo em que a igreja era bastante ponderosa – no tempo em que os primeiros cristãos regozijavam-se por ser considerados dignos de ter sofrido por aquilo em que acreditavam. Naqueles dias, a igreja não era apenas um termômetro que registrava as idéias e princípios da opinião pública; era um termostato que transformava os costumes da sociedade. Quando os primeiros cristãos entravam em uma cidade, as pessoas no poder ficavam transtornadas e imediatamente buscavam condenar os cristãos por serem “perturbadores da paz” e “forasteiros agitadores”. Mas os cristãos prosseguiam, com a convicção de que eram “uma colônia do céu”, que devia obediência a Deus e não ao homem. Pequenos em número, eram grandes em compromisso. Eles eram intoxicados demais por Deus para serem “astronomicamente intimidados”. Com seu esforço e exemplo, puseram um fim em maldades antigas como o infanticídio e duelos de gladiadores. As coisas são diferentes agora. Com tanta frequência a igreja contemporânea é uma voz fraca, ineficaz com um som incerto. Com tanta frequência é uma arquidefensora do status quo. Longe de se sentir transtornada pela presença da igreja, a estrutura do poder da comunidade normal é confortada pela sanção silenciosa – e com frequência sonora – da igreja das coisas tais como são.

Mas o julgamento de Deus pesa sobre a igreja como nunca pesou. Se a igreja atual não recuperar o espírito de sacrifício da igreja primitiva, perderá sua autenticidade, será privada da lealdade de milhões e será descartada como um clube social irrelevante com nenhum significado para o século XX. Todos os dias, encontro pessoas jovens cuja decepção com a igreja tornou-se uma repugnância absoluta.

Talvez tenha sido mais uma vez otimista demais. Estará a religião organizada ligada inextricavelmente demais ao status quopara salvar o país e o mundo? Talvez deva dirigir minha fé à igreja interior, espiritual, a igreja dentro da igreja, como a verdadeiraekklesia e a esperança do mundo. Mas, de novo, sou grato a Deus por algumas almas nobres das fileiras da igreja organizada terem rompido as correntes paralisantes do conformismo e unido-se a nós como parceiros ativos na luta pela liberdade. Eles abandonaram suas congregações seguras e percorreram as ruas de Albany, Geórgia, conosco. Desceram as rodovias do sul em viagens tortuosas pela liberdade. Sim, foram para a cadeia conosco. Alguns foram expulsos de suas igrejas, perderam o apoio de seus bispos e colegas sacerdotes. Mas agiram com a fé de que o bem derrotado é mais forte do que o mal triunfante. Sua testemunha tem sido o sal espiritual que tem preservado o verdadeiro significado do evangelho nesses tempos turbulentos. Eles cavaram um túnel de esperança através da montanha negra da decepção. Espero que a igreja como um todo enfrente o desafio nessa hora decisiva. Mas mesmo que a igreja não venha ajudar a justiça, não perco a esperança no futuro. Não tenho medo a respeito do resultado de nossa luta em Birmingham, mesmo que nossas razões sejam no momento mal compreendidas. Alcançaremos a meta da liberdade em Birmingham e no mundo inteiro, porque a meta dos Estados Unidos é a liberdade. Não importa se estamos ofendidos e escarnecidos, nosso destino está ligado ao destino dos Estados Unidos. Antes de os peregrinos desembarcarem em Plymouth, estávamos aqui. Antes de a pena de Jefferson desenhar as palavras majestosas da Declaração de Independência através das páginas da história, estávamos aqui. Por mais de dois séculos, nossos antepassados trabalharam nesse país sem receber salários; eles colheram o algodão; eles construíram as casas de seus senhores enquanto sofriam injustiças crassas e humilhações vergonhosas – e, no entanto, com uma vitalidade sem fim, continuaram a prosperar e a desenvolver-se. Se as crueldades inenarráveis da escravidão não puderam parar-nos, a oposição que enfrentamos agora certamente fracassará. Ganharemos nossa liberdade porque a herança sagrada de nosso país e a eterna vontade de Deus estão incorporadas nas nossas sonoras exigências. Antes de encerrar, sinto-me impelido a mencionar outro ponto em sua declaração que me perturbou profundamente. Vocês calorosamente elogiaram a força policial de Birmingham por manter a “ordem” e “impedir a violência”. Duvido que teriam elogiado tão calorosamente a força policial se tivessem visto seus cães afundando seus dentes em negros desarmados, pacíficos. Duvido que teriam elogiado tão rapidamente os policiais se fossem observar seu tratamento horrível e desumano dos negros aqui na prisão municipal; se fossem vê-los empurrar e amaldiçoar velhas mulheres negras e jovens meninas negras; se fossem vê-los estapear e chutar velhos homens negros e jovens meninos; se fossem observá-los, como fizeram em duas ocasiões, negar-nos comida porque queríamos cantar nossa oração juntos. Não posso acompanhá-los no seu louvor ao departamento de polícia de Birmingham.

É verdade que a polícia demonstrou um nível de disciplina ao lidar com os manifestantes. Nesse sentido, eles se conduziram um tanto “pacificamente” em público. Mas com que propósito? Para preservar o sistema maligno da segregação. Ao longo dos últimos anos, continuamente preguei que o pacifismo exige que os meios que usamos devem ser tão puros quanto os fins que buscamos. Tentei deixar claro que é errado usar meios imorais para alcançar fins morais. Mas agora tenho de afirmar que isso é tão errado, ou talvez ainda mais errado, quanto usar meios morais para preservar fins imorais. Talvez o Sr. Connor e seus policiais tenham sido um tanto pacíficos em público, como foi o coronel Pritchett em Albany, Geórgia, mas eles usaram os meios morais do pacifismo para manter o fim imoral da injustiça racial. Como T. S. Eliot disse: “A última tentação é a maior traição: fazer a coisa certa pelo motivo errado.”

Gostaria que vocês tivessem louvado os sit-inners e manifestantes negros de Birmingham pela sua coragem sublime, sua disposição para sofrer e sua disciplina incrível em meio a uma grande provocação. Um dia, o sul reconhecerá seus verdadeiros heróis. Eles serão os James Merediths, com o nobre senso de justiça que lhes permite enfrentar bandos zombeteiros e hostis, e com a solidão agonizante que caracteriza a vida do pioneiro. Eles serão as velhas, oprimidas, castigadas mulheres negras, simbolizadas em uma velha mulher de setenta e dois anos de idade de Montgomery, Alabama, que se ergueu com um senso de dignidade e com seus iguais decidiu não viajar em ônibus segregacionistas, e que respondeu com profundidade agramatical a alguém que lhe indagou sobre seu cansaço: “Meus pé está cansado, mas minha alma está em paz.” Eles serão os estudantes colegiais e universitários, os jovens sacerdotes do evangelho e uma multidão de seus pais, corajosa e pacificamente sentando-se em aparadores e dispostos a ir para cadeia por amor à consciência. Um dia, o sul saberá que quando esses filhos deserdados de Deus sentaram-se em aparadores, estavam na verdade fazendo jus ao que há de melhor no sonho americano e o que há de mais sagrado nos valores de nossa herança judaico-cristã, desse modo trazendo nosso país de volta àqueles grandes poços de democracia que foram cavados em profundidade pelos pais fundadores na sua formulação da Constituição e da Declaração de Independência.

Nunca escrevi uma carta tão longa. Temo que seja longa demais para tomar seu tempo precioso. Posso lhes garantir que teria sido muito menor se a tivesse escrito em uma mesa confortável, mas o que mais se pode fazer quando se está sozinho em um cela apertada a não ser escrever longas cartas, pensar longos pensamentos e rezar longas orações?

Se disse algo nessa carta que exagera os fatos e indica uma impaciência imoderada, peço que me perdoem. Se disse algo que atenua os fatos e indica uma paciência que me permite conciliar-me com algo menor do que a fraternidade, peço a Deus que me perdoe.

Espero que essa carta encontre-os fortes em sua fé. Espero também que as circunstâncias em breve permitam que me encontre com cada um de vocês, não como um integracionista ou um líder dos direitos civis, mas como um colega clérigo e um irmão cristão. Tenhamos todos esperança em que as nuvens negras do preconceito desapareçam em breve e a neblina profunda da incompreensão dissipe-se das nossas comunidades cheias de medo, e que em um amanhã não muito distante as estrelas radiantes do amor e da fraternidade brilhem sobre nosso grande país com toda a sua beleza cintilante.

Sinceramente, pela causa da Paz e da Fraternidade, Martin Luther King, Jr.

16 de abril de 1963.