Scenes from the Passion of Christ

Scenes from the Passion of Christ
Scenes from the Passion of Christ // Hans Memling ca. 1430 – 1494

quinta-feira, 30 de julho de 2015

O pão nosso de cada dia



Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia.
Mt 6.11


O sermão do monte é sem dúvida o maior sermão já pregado na história. Primeiro porque foi pregado pelo próprio Deus/homem Jesus Cristo. Segundo, pelo seu conteúdo. Homens já gastaram boa parte do seu tempo estudando e ensinando esse sermão. Martyn Lloyd Jones por exemplo, pregou sessenta sermões sobre esse texto de Mateus 5 a 7 nos domingos pela manhã na capela de Westminster. Não tem como não se maravilhar com a verdade e a vida que estão contidas nesse sermão.

Uma das orações mais conhecidas em todo mundo está nesse sermão, a oração "Pai nosso". Jesus inicia o seu sermão ensinando a respeito do caráter dos cristãos nas "bem-aventuranças" (Mt 5.1-12) - os humildes de espírito, os que choram, misericordiosos, etc. Depois ele passa a ensinar sobre a influência desses cristãos no mundo, "sal da terra" e "luz do mundo" (Mt 5.13-16) . Logo em seguida sobre a justiça que eles deveriam ter, seja ela moral (Mt 5.17-58) ou religiosa (Mt 6.1-18). John Stott fez muito bem de chamar esse sermão de "contracultura cristã". Entender essas verdades nos leva a um jeito de viver diferente. A pergunta que não quer calar feita aos discípulos de Jesus é: "O que estão fazendo de mais?" (Mt 5.47). Andar na mesma mão da cultura, do mundo, do conformismo religioso e do incrédulo, certamente não é o jeito de viver que Jesus ensinou. Ele foi enfático em dizer que a nossa "justiça deve ser superior" (5.20). Superior pois é mais profunda, origina-se no coração e não se contenta com o mero externalismo hipócrita. 

Uma das hipocrisias que nos persegue é a hipocrisia da religião. Sempre foi assim (Is 1, Mc 7). Por isso Jesus destina parte do seu sermão para tratar dessa falsa religiosidade (Mt 6). Dar esmolas, jejuar e orar são coisas boas, desde que acompanhadas pela motivação certa - a glória de Deus - caso contrário estamos na verdade adorando a nós mesmos, buscando a nossa recompensa e imagem. É desafiador e constrangedor estar perante esse "raio-x" desse sermão - afinal de contas "o Pai tudo vê" (6.6).

Enquanto Jesus ensinava seus discípulos a respeito da oração ele ensinou uma verdade maravilhosa: "Orem assim...Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia" (6.9,11). Que declaração chocante! É fato que muitos só sabem orar essa parte, uma oração de petição. Só sabem pedir e nada mais. Tratam Deus como "servo" e não como "SENHOR". Outros vão para o outro extremo, "Quem sou eu para pedir algo a Deus?!" - dizem eles, mas são confrontados por esse ensino. Fato é, que tanto essa petição pessoal do "pão nosso" assim como as outras ("perdoa-nos" e "livra-nos") tem seu lugar, mas não "todo o lugar" da oração.

Em primeiro lugar, Jesus nos ensina a começarmos nossa oração com os interesses do Pai - seu nome - sua glória! Os três primeiros pedidos não tem haver conosco (pelo menos diretamente) mas "santificado seja o teu nome"; "o teu reino" e a "sua vontade". Eu receio que isso não tenha prioridade nas nossas orações como nas de Jesus. Até no fim da sua vida suas orações tinham como prioridade o Pai - "Meu pai, se não for possível afastar de mim este cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade" (Mt 26.42); "Glorifica o teu Filho, para que o teu Filho te glorifique" (Jo 17.1). Se o foco das nossas orações estão somente destinadas à mim, talvez eu me preocupe muito pouco com o interesse do Pai e sua glória. Não corra para o "pão" antes de se maravilhar com Aquele com quem está falando. Lembre-se que através da oração, estamos realmente perante o nosso Criador (Ap 8.4). 

Em segundo lugar, podemos orar sim pelo nosso sustento. Embora os pais da igreja (Tertuliano, Cipriano e Agostinho) tentaram argumentar que esse "pão" era espiritual e não material, os reformadores nos ajudaram nessa questão. Lutero disse que o pão era um símbolo de "todas as coisas necessárias para a preservação desta vida, como o alimento, a saúde do corpo, o bom tempo, a casa, o lar, a esposa, os filhos, um bom governo e a paz". Sim, tem um salto do pico mais alto existente - a glória de Deus - para o vale mais baixo - nossas necessidades. Uma queda do "teu" para o "nosso". Mas não há nada de errado nisso. Deus não é só Criador e Soberano, Ele é Pai! Aliás, essa é a primeira palavra dessa oração. Pense nisso agora, temos o privilégio e o direito de falar abertamente com Deus sobre as nossas pequenas e passageiras necessidades, e o melhor, Ele tem ouvidos para elas! Por isso ore! Ore! Ore!

Em terceiro lugar, o pão nosso de cada dia não significa fartura mas sim o necessário. Assim como o povo no deserto recebeu seu maná diariamente e não podia guardar para o dia seguinte (Ex 16), assim orarmos diariamente. A ideia é de momentaneidade. "Se oramos de manhã, esta oração pede o pão para o dia que está começando. Feita à noite, pede o pão de amanhã" - A.M. Hunter. Isso significa que Deus não pode nos dar "cestos cheios de pão"? Claro que pode. Deus pode dar muito e esse que muito têm, terá mais oportunidade e alegria em abençoar mais e mais. Mas é certo que nesse pedido, pedimos a provisão básica para o dia.

Em quarto lugar, esse pedido revela de fato que confiamos e dependemos de Deus. Ninguém irá pedir o pão para o "dia" se não confia que o Pai estará com ele no amanhã para suprir o que for preciso. Seria mais fácil orar: "Senhor, me dá logo o pão para o ano todo!" Mas receio que se Deus nos desse o "pão anual", nosso ego o esqueceria. Lembraríamos dEle somente na virada do ano (como alguns fazem até hoje). Ao orarmos pedindo o pão de hoje, mostramos que de fato confiamos nEle para mais um dia da nossa existência. "Por isso, tendo o que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos" (1 Tm 6.8). Por isso, temos que ter coragem para fazer esse pedido. Essa oração só pode ser feita por aqueles "pobres (humilhados) em espírito" (Mt 5.6), pois para esses o seu "eu" foi "destronado" e reconhece todos os dias a necessidade da ajuda da graça do Pai. Por isso chegar até essa oração e não considerar o caráter que Jesus exigiu antes dela é bem complicado.

Em quinto lugar, assumo que orar isso pode ser até mais fácil do que viver isso. Aqueles que conhecem um pouco a respeito da soberania de Deus saberão que "Ele faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade". Entendem que "todas as coisas cooperam para o bem daqueles que foram chamados de acordo com o seu propósito" e esse propósito é nos transformar à imagem de Cristo. Todas as coisas, inclusive a falta delas! Inclusive a fome. Inclusive a necessidade. Inclusive a doença. Tudo isso coopera para o nosso processo de santificação e transformação. O apóstolo Paulo descobriu isso quando diz que aprendeu a se adaptar em toda circunstância, passando necessidade e fome. Mas nem por isso perdeu sua alegria no Senhor, pois com Ele "tudo pode"! (Ef 1.11; Rm 8.28-29; Fp 4.11-13). Nós oramos, conversamos, pedimos, mas não exigimos! O restante da vontade de Deus revelada na Bíblia também deve ser considerada quando oramos. Falemos sempre como Jó: "O Senhor o deu, o Senhor o levou, louvado seja o nome do Senhor" (Jó 1.21). A fé move montanhas, inclusive a montanha do seu coração para se humilhar e aceitar que a vontade do Senhor é sempre boa, perfeita e agradável.

Que oremos então hoje, que oremos sempre.Lembremos que ele "estás nos céus" nas nossas orações, mas lembremos que é Pai ao mesmo tempo.

Amém.



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Contracultura cristã - John Stott - http://www.ultimato.com.br/loja/produtos/a-mensagem-do-sermao-do-monte
Estudos no sermão do monte - Martyn Lloyd Jones - http://www.editorafiel.com.br/produto/4011629/Estudos-no-Sermao-do-Monte

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